Todos nós temos pesadelos que nos
acompanham por toda vida.
Uma das minhas maiores preocupações é a fome no
mundo.
Isso começou quando eu tinha 13 anos, estava no terceiro ano do ginásio
e meu professor de geografia, o saudoso Prof. Murici, nos falou sobre a teoria de Malthus. Fiquei
aterrorizada!
Malthus (1766-1834), o economista-demógrafo inglês que criou a primeira teoria populacional que relacionava o
crescimento da população com a fome. Segundo ele, a tendência do crescimento
populacional acontecia em progressão geométrica enquanto a oferta de alimentos
em progressão aritmética. Em resumo ele e eu acreditávamos que o crescimento
demográfico iria ultrapassar a capacidade produtiva da terra gerando fome e
miséria.
Consultando o Google da época,
que 1969 eram as enciclopédias (enciclopédias eram livros que falavam sobre
tudo, montados por fascículos semanais comprados nas bancas de jornal ou pagos
em prestações pelos nossos pais, para nos oferecer mais cultura), fazendo uma
conta simples descobri algo mais aterrorizante ainda: a enciclopédia informava
que segundo Malthus, a população mundial dobraria a cada 25 anos, ou seja,
quando eu tivesse 37 anos (e isso seria em 1994), não teríamos mais comida para
todo mundo e a vida seria um caos.
Essa não era somente uma preocupação
ingênua de uma garota sonhadora, o mundo inteiro se preocupava com isso! Antes
de morrer, o presidente Kennedy falava em acabar com a fome no planeta e
deixava a pergunta “Como vamos alimentar o mundo?”.
E não houve escolha para a nossa
sociedade a não ser intensificar a agricultura industrial, com cada vez mais
sementes de alta tecnologia, produtos químicos e muitos danos colaterais.
Mesmo com toda essa tecnologia, hoje
aproximadamente um bilhão de pessoas passam fome no mundo. Um número que tem
sido bastante estável por mais de 50 anos, mesmo com a população não
acompanhando a progressão geométrica de Malthus e diminuindo a cada ano em
termos percentuais.
Produzir mais alimentos não
garantiu que todos pudessem comê-los. O mundo produz calorias suficientes para
suprir 2700 calorias por dia por humano. Mais do que suficientes para atender a
projeção da população mundial pelas Nações Unidas para 2050, de 9 bilhões de
habitantes. Hoje estamos na faixa dos 7,2 bilhões.
Há pessoas que passam fome não
porque a comida está faltando, mas sim porque todas essas calorias não são
usadas para alimentar os seres humanos. Mais de 33% são usados para a
alimentação animal, 5% para produzir biocombustíveis e perto de 35% são
desperdiçadas ao longo de toda cadeia alimentar.
O sistema atual não é nem
ambientalmente e nem economicamente sustentável. É voltado para deixar menos
que a metade do planeta que tem dinheiro comer bem, enquanto os outros batalham
para comer o mais barato possível ou simplesmente comer "alguma" coisa.
Paradoxalmente, como um número
crescente de pessoas que podem se dar ao luxo de comer bem, a comida para os mais
pobres se tornará cada vez mais escassa porque a demanda por produtos de origem
animal vai crescer, e eles exigem mais recursos, como a produção de mais grãos.
Se a população crescer 30%,
estima-se que a demanda por produtos de origem animal deve dobrar, para o mundo
poder consumir os níveis ocidentais de carne. Novos players entram nesse jogo,
como a classe média chinesa, que hoje tem acesso e meios econômicos. A China é
hoje o principal consumidor mundial de carne, uma tendência que não vai retroceder.
Se quisermos assegurar que os
mais pobres possam comer, temos que fazer um trabalho melhor do que faz a
“agricultura moderna” para preservar a saúde e a produtividade da terra.
Atualmente em nossa sociedade
predominam dois sistemas produtivos: um industrial e o outro dos pequenos proprietários.
Agronomia de vanguarda vem pregando o retorno ao sistema de produção de
pequenas propriedades. Segundo eles a cadeia alimentar industrial utiliza 70%
dos recursos agrícolas para fornecer 30% de alimentos ao mundo, enquanto o
sistema de pequenas propriedades produz 70% de alimentos usando apenas 30% desses
recursos.
Atualmente, com as variedades de
sementes de alto rendimento, fertilizantes, defensivos de alta tecnologia e
manejos tecnificados, qualquer monocultura comercial produz muito mais por
hectare do que as sementes tradicionais da mesma cultura, mas em prejuízo à
sustentabilidade de todo sistema.
Pequenas propriedades,
diversificando culturas, misturando plantas e animais, plantando árvores que
fornecem não somente frutas, mas o abrigo para os pássaros, sombra e
fertilidade através da reciclagem de nutrientes, podem produzir muito mais
alimentos tanto em variedade quanto em quantidade, com menos recursos, menores
custos, com maior segurança alimentar, mantendo a biodiversidade e resistindo
melhor aos efeitos das mudanças climáticas.
Devemos repensar o modelo da agricultura
industrial, com a qual a qualidade dos solos deteriora-se e os produtos
químicos se tornam cada vez menos eficazes, apesar dos “avanços” dos cultivos geneticamente
modificados.
Precisamos deixar de pensar
em “quanto” alimento é produzido e refletir em “como”, “para quem”, “a qual
preço” e a “qual custo-benefício” eles estão sendo produzidos.
Isso não se trata de Agricultura
orgânica, que é praticamente impossível e inviável ser adotada por todos, por
questões que passam entre outras, pela produtividade. Falamos aqui de
Agroecologia que não engloba apenas a produção sustentável de alimentos
saudáveis, mas uma forma diferente de se relacionar com o planeta e com todos
os seres vivos.
Por uma vida mais justa para o planeta e todos seres que nele habitam!
Ozana Herrera